O fotógrafo e fotojornalista João Benz Fagim iniciou no ramo com capturas de cenas em manifestações da cidade de São Paulo. Atualmente, perpassa a fotografia abstrata e devota um olhar ainda mais sensível à cidade
João Antônio Benz Fagim, 27 anos, iniciou a paixão pela cidade de maneira orgânica. Morador de Santo Amaro Estava no meio e o seu entorno se tornou objeto de estudo. A excitação pela fotografia iniciou ainda jovem quando se interessou por fotografar os manifestos que movimentaram a cidade de São Paulo em 2013. O fotógrafo é formado em Educomunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e teve sua vida acadêmica baseada voltada por meio de uma iniciação científica aos registros fotojornalísticos. Nesta entrevista, Fagim apresenta a sua noção acerca da cidade e como o olhar foi lapidado ao longo do tempo e como lidou com a pandemia.
fio_: Primeiramente, como surgiu o seu interesse pela fotografia de cidade?
João Antônio Benz Fagim: Talvez eu dê uma resposta decepcionante, mas a cidade era o lugar em que eu estava. Não houve algo que tenha me despertado. A cidade era mais um local onde as coisas aconteciam e o que mais me puxou para o registro desse local foram as pessoas. Gostava de fotografar gente em situações de alta previsibilidade, como pessoas saindo do trem e em outras situações relativamente mais incomuns, como protestos e acidentes.
Ao longo da minha trajetória, que começou de forma amadora em 2011, eu senti que a cidade me roubou a vontade de fotografar a cidade. Eu tive muito receio de fotografar a cidade com a minha câmera. Por isso, eu entrei de cabeça na fotografia de protesto, porque eu me sentia mais seguro do que fotografando no centro da cidade. Eu tinha um medo muito sério do meu equipamento ser roubado. Em 2019, eu voltei a fotografar mais a cidade, por estar equipado com um celular e por me sentir mais discreto no registro do cotidiano. Mas a anomalia que corta a cidade, como o protesto, fazia com que eu me sentisse mais seguro - mesmo com bombas de gás lacrimogêneo, uma quadra de policiais…
f: Então, para qual setor você mirou as suas lentes?
Fagim: Eu comecei a fotografar ONG’s , aldeias indígenas… Passei a fotografar espaços fechados, pois eu tinha medo. Mas, hoje, vejo que foi uma estupidez muito grande, pois estancou, de certa forma, a minha relação com a cidade.
Interessante que você comenta que a cidade te roubou da fotografia de cidade, relacionando ao seu trabalho fotojornalístico em cidades, vejo que você também tem o interesse pela fotografia de satélite. Ou seja, buscou registrar planos mais altos. O que te levou a essa escolha?
A fotografia de satélite chegou durante a pandemia, quando não dava para sair de casa. Eu vi uma seleção de fotos de satélite da Islândia e, quando saí, fotografei uma sarjeta nas ruas de São Paulo e fiz um teste de brincadeira no Facebook dizendo que eu estava andando de helicóptero pela Islândia. Os seguidores gostaram e me parabenizaram e comentei o que realmente aquela foto era (risos).
A partir deste experimento e vendo que eu estava trancado, sem poder fotografar o exterior, fui pesquisar sobre fotos de satélite e como eram feitos esses registros a partir de ferramentas, como o Google Earth. Eu usei um software de mapeamento chamado Arcgis e a minha primeira série de fotos foi sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O interessante foi ver o relevo e, desta forma, ter uma representação da cidade de longe. Passar do micro para o macro!
Gostaria de usar essa forma de fotografar para um lado mais artístico, juntando, por exemplo, o Deserto do Saara com a Antártida.
f: Como você conecta o fotojornalismo, o qual é uma área familiar a você, com o artístico?
Fagim: Quando eu não tenho que entregar uma foto para edição de veículos, eu não tenho muito poder para deixar da forma como eu gostaria. Mas quando é algo artístico, eu revelo mais a minha voz. São outros questionamentos que surgem enquanto você fotografa de maneira artística. Mesmo encarando a linha editorial, é possível mexer no contraste para dar uma outra expressividade sem perder a realidade.
No fundo, o que me excita no fotojornalismo é o fato de eu estar onde os fatos estão acontecendo. É uma boa oportunidade para você se sentir um sujeito presente em seu tempo histórico. Mas eu me interesso mais ainda pela fotografia documental, aquela que foge da pauta para a qual estou trabalhando.
Não tento conciliar os três campos de modo que um encerra quando o outro começa. Eu exploro a minha linguagem e as minhas formas de expressão com alguns trabalhos e outros, não. O jornalismo acaba sendo uma área onde posso percorrer essas três áreas, e a fotografia, a partir de tudo que vivenciei por meio dela, é um canal de aprendizado.
f: Durante a pandemia, quais foram as alternativas para continuar atuando na fotografia e no fotojornalismo?
Fagim: Neste período, eu peguei um freela para tirar foto de produto. Fui explorando alternativas que poderiam ser realizadas em casa. Fotografei alguns materiais, como folhas, com uma luz que adquiri a partir de um vídeo colorido. Descobri neste processo, por acidente, algumas obras do acaso, pois as fotografias tinham uma carga meio fantasmagórica. Fotografei os artesanatos desta forma e, em seguida, criei séries como a ‘Por Entre Astros e Crustáceos’. Eu me aproximei da fotografia experimental abstrata.
f: Você mencionou a relação com essas “obras do acaso”. Como você alimenta o registro fotojornalístico com a visão das capturas abstratas?
Fagim: No fotojornalismo, você “surfa” com o acaso. Você vai se adaptando ao que está em quadro e registrando as interferências. Com a pandemia, o aumento de capturas do acaso seguiu como uma prática que me sensibilizou mais para o fotojornalismo. Esses registros contribuíram para me deixar mais encantado, aberto e atento sobre o que eu veria.
f: Pelas suas lentes, o que você notou de diferença no seu trabalho em relação ao espaço do período pré pandêmico para o momento atual?
Fagim: Pelo trabalho de fotografia de satélite, acabei admirando mais os pequenos detalhes, as texturas de um local. Por exemplo, a madeira de uma cama que mostra os anéis que formam. Eu fiquei mais interessado em formas orgânicas. A cidade tem muita linearidade e o momento pós pandêmico me chamou a atenção para as fraturas, como pinturas mal feitas, rachaduras na parede…
f: Bom, sua fotografia tende a apresentar manifestações e passeatas ocorridas na cidade e isso, por si só, seria um indício de que a sua busca é pelas formas mais orgânicas mesmo?
Fagim: Sim. O que me mais me interessa mesmo é a fratura do corpo que entra, sai e se aglomera neste projeto linear de cidade.
f: Como você amarra os detalhes pelos quais se interessa à trama fotojornalística?
O fotojornalismo demanda a informação, mas a dimensão plástica dos registros fornece peso para a narrativa. Essas texturas que eu busco, por exemplo, são elementos que, se eu souber manusear, eles valorizam a história que eu estou contando - não necessariamente em termos de informação, mas em sensações e atmosfera.
f: Além da sua descoberta empírica sobre a fotografia, você se envolveu na academia com este ramo. Sobre o que foi a sua iniciação científica e como foi a experiência de troca entre conhecimentos adquiridos pela prática e pela teoria?
Fagim: Eu comecei a graduação em Ciências Sociais, pois imaginava que teria uma base sobre o que era a realidade. Sentia que precisava estar munido de boas falas sobre arte e fotografia. Eu já tinha fotografado para a manifestação anteriormente, mas, em junho de 2013, junto ao grupo de universitários, fotografei os protestos pela redução do preço da passagem. Então, de certa forma, a academia me fez explorar esse lado do fotojornalismo.
Senti, no entanto, que o curso estava me distanciando da prática devido à quantidade de teoria que deveria ser assimilada em uma semana. Passei para Educomunicação na ECA-USP (Escola de Artes e Comunicação da Universidade de São Paulo) e a grade curricular permitia maior prática com imagens e audiovisual, por exemplo. Em seguida, me interessei pelo jornalismo e fiz a iniciação científica com Atílio Avancini sobre fotojornalismo em manifestações. Lá, eu fui motivado a analisar o meu próprio trabalho para entender as mensagens que eu gostaria de passar. Para isso, estudei ainda mais semiótica e Roland Barthes. Foi legal ver a academia abraçando o meu desenvolvimento pessoal e artístico, ao mesmo tempo que eu contribui com estudos sobre formas de pensar a fotografia.
f: Para encerrar, qual é a origem do fio que se conecta ao seu trabalho como fotografia?
Fagim: Eu lembro que quando eu tinha quatro anos de idade, vi a grama pela câmera e fiquei impressionado com a cor. Posteriormente, com 15 anos, voltei a fotografar porque meu pai me deu uma câmera por estar muito inquieto em casa. Ele falou: “pare de ficar de uma lado para o outro e vá tirar foto”. Essa é a origem. Acredito que o fio que conecta meu trabalho como um todo é que eu sou responsável pela forma como interpreto a realidade à minha volta. Quero passar isso adiante e permitir às pessoas olhares de forma diferente, assim como eu verei a partir da experiência delas.
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O fio_ termina aqui.